1º Rascunho

Apr 17, 2020

Acordo de Glasgow

O objetivo principal do Acordo de Glasgow é conseguir um desfecho útil na próxima cimeira do clima em Glasgow e da mais que previsível mobilização social que haverá para a mesma. 

Em Madrid tivemos manifestações com mais de 500 mil pessoas e as negociações quase colapsaram na mesma, perante o boicote activo dos países negacionistas e produtores de petróleo e a impotência daqueles que só concebem soluções dentro deste mesmo sistema económico e político. As instituições que estão a negociar há quase três décadas foram construídas para falhar porque o capitalismo necessita ignorar os impactos da sua actividade (nomeadamente no ambiente e no clima) para poder manter as suas taxas de lucro. O movimento continuar a apostar todas as suas fichas e reivindicações no poder formal dos governos que estão intrinsecamente conectados com o poder económico é uma estratégia que já não corresponde ao nível de mobilização social sobre a justiça climática que existe à escala global.

Assinar um acordo entre movimentos por contraposição aos vários acordos e mecanismos formais e institucionais que foram existindo durante as últimas décadas representa, pelo menos simbolicamente, uma rejeição do falhanço institucional e uma posição de coragem por parte dos movimentos, que assumem uma intervenção activa na resolução da crise climática (que coincide com o diagnóstico e as estratégias de escalamento de confrontação perante a intensificação da crise climática). É uma tomada de posição política mais audaz e que avança em relação a posições anteriores (abandonar as negociações do ano, sair da zona verde, fazer manifestações contra a COP, organizar as contra-cimeiras).

Permite que a mensagem mediática e política que saia da COP não seja mais um falhanço (ou pior, mais um anúncio de sucesso quando a realidade é um falhanço), mas a abertura de outra porta para a resolução da crise climática, fora das instituições criadas para falhar. (Não considero que ninguém que assine o Acordo tenha necessariamente que abandonar quaisquer negociações formais).

Se o Acordo de Glasgow for apenas anunciado e assinado durante a COP terá os efeitos acima descritos. Se puder não ser apenas uma declaração de intenções mas sim uma plataforma que continue a avançar em relação ao trabalho anterior dos movimentos pela justiça climática, abrem-se novas portas, com novos objectivos:

  1. Se se materializar a apresentação das listas por país, abandona-se a discussão abstracta de cortar percentagens de emissões e identifica-se nacionalmente e internacionalmente quais são os objectivos, quais são as infraestruturas, quais são os projectos e consequentemente quais são as empresas, os governantes e os bancos que têm de ser alvos da mobilização pela justiça climática;
  2. Passará a haver uma referência internacional para os movimentos à volta da qual estruturar as suas prioridades estratégicas, com a definição nacional e autónoma de quais os objectivos principais dos movimentos em cada lugar;
  3. Nacionalmente haverá uma muito maior clareza sobre o que está implicado no combate às alterações climáticas, nomeadamente pela definição e divulgação pública dos principais projectos e emissores em cada país;
  4. Ao definir o que significa “desobediência civil” para os assinantes, haverá um referencial  político importante no que diz respeito à intensificação das acções pela justiça climática;
  5. Ao definir o que significa “justiça climática” para os assinantes, criar-se-á uma aliança política muito mais clara para o movimento, permitindo-lhe avançar e criando também uma referencial público sobre o que significa justiça climática por oposição, por exemplo, a capitalismo verde ou ecofascismo;
  6. A assinatura de várias organizações no mesmo país deverá levar a uma articulação nacional importante, nomeadamente pela necessidade de produzir a lista conjunta dos grandes emissores, projectos e prioridades de encerramento / travagem.
  7. Se se criar a transferência de experiência e capacidades entre organizações, haverá um fortalecimento da solidariedade e da rede imprescindível para a transição justa para fora do capitalismo;
  8. Se houver capacidade estratégica de articular campanhas e acções contra múltiplas grandes fontes de emissões em diferentes continentes tornar-se-á muito mais eficiente a luta contra o capitalismo fóssil, aumentando muito o nosso potencial de vitória.
    O número de pessoas directamente implicadas na preparação e posterior implementação do Acordo dependerá apenas do seu sucesso. 

Se for abordado ligeiramente, com apenas a assinatura, requererá pouca gente implicada durante muito tempo (na discussão do texto, que nunca deverá exceder duas páginas, e na procura dos subscritores, e na organização de uma cerimónia protocolar em Glasgow). 

Com o avançar da implementação do Acordo, se os vários movimentos produzirem as suas listas de inventário, haverá necessariamente mais gente implicada, nomeadamente na recolha, centralização, publicação e manutenção do website do Acordo. 

Se avançar para a fase seguinte, de implementação das estratégias de encerramento coordenadas (com maior sensibilidade e sem divulgação pública) e pedidos de apoio nacional e internacional deverá haver capacidade de encontrar esse apoio e pôr em contacto as diferentes organizações para garanti-lo - serão necessárias mais pessoas e mais capacidade logística e comunicativa. 

Se se chegar à fase da execução concreta do Acordo, será necessária a construção da capacidade comunicativa e segura entre organizações e de um veículo de comunicação de grande escala, que divulga o progresso das campanhas e articula movimentos e campanhas com o objectivo de conseguir o corte de 50% das emissões até 2030, com as balizas da desobediência civil e da justiça climática, podendo coordenar-se naturalmente com outras estratégias e iniciativas que surjam neste período.

Será necessária a flexibilidade para perceber as limitações políticas, económicas e sociais existentes em movimentos, em regiões e países com contextos completamente diferentes e a sensibilidade necessária para procurar as melhores soluções e ferramentas de fortalecimento e acutilância dos movimentos em diferentes contextos (regimes repressivos, pobreza extrema, debilidades infraestruturais). O Acordo tem de servir de ponto de encontro para a solidariedade entre movimentos e deve ter a capacidade de produzir regularmente reflexões e pontos de encontro nacionais, regionais e internacionais.


Rascunhos Anteriores