6º Rascunho

Sep 26, 2020

Acordo de Glasgow:
Compromisso Climático dos Povos

O quadro institucional utilizado pelos governos, organizações internacionais e por todo o sistema económico para a crise climática está a falhar em manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 ou 2°C até 2100. Desde o seu aparecimento que países desenvolvidos e empresas poluidoras, como a indústria dos combustíveis fósseis, têm orquestrado o falhanço sistemático deste quadro institucional, criando assim uma ilusão de tomada de ação climática, enquanto os passos decisivos são adiados e as emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar. Como resultado de décadas de interferência por estes intervenientes, os compromissos, já fracos, têm sido continuamente desprezados e, assim, os principais acordos institucionais para as alterações climáticas, nomeadamente o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, não produziram a redução nas emissões globais de gases com efeito de estufa que é necessária para travar as alterações climáticas. O Acordo de Paris é apenas um procedimento, e não será capaz de atingir o seu próprio objetivo de prevenir as piores consequências das alterações climáticas.

Centenas de governos, municípios e organizações declararam emergência climática. Protestos massivos nas ruas de todo o mundo também alertaram repetidamente para a necessidade da tomada de ação decisiva por justiça climática até 2030 e para o consenso científico sobre a necessidade de cortar 50% das emissões de gases com efeito de estufa dentro deste período. Para atingir alguma medida destes objetivos, nenhum projeto de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e de infraestruturas pode ser desenvolvido. Este poderoso movimento pela justiça climática precisa de novas ferramentas novas e fortalecidas, para resolver estas contradições fundamentais e para inverter a narrativa global da impotência institucional, transformando-a em poder social que possa trazer consigo uma mudança duradoura.

Como tal, as organizações e movimentos sociais subscritoras assumem:

  1. Tomar nas suas próprias mãos a necessidade de cortar coletivamente emissões de gases com efeitos de estufa, abandonando o foco único na luta institucional – nomeadamente o foco nas negociações com os governos e as Nações Unidas;
  2. Que a não-cooperação política e económica, bem como a intervenção não violenta, em particular a desobediência civil, são as principais ferramentas para o cumprimento do Acordo de Glasgow. Ao mesmo tempo, reconhecemos que, para grupos oprimidos e para aquelas pessoas que vivem em sociedades mais opressivas, é muito mais difícil participar na desobediência civil. A estratégia da desobediência civil é apenas uma forma de atingir o objetivo do Acordo de Glasgow. Além disso, reconhecemos que esta estratégia tem sido utilizada, sob vários nomes, por muitas pessoas antes de nós, particularmente em comunidades marginalizadas e no Sul Global, e não seríamos capazes de participar nesta luta sem os seus sacrifícios passados e contemporâneos;
  3. O quadro político para estes cortes necessários e ação climática será o de justiça climática, que se define como uma exigência política e social que defende a redistribuição de poder, de conhecimento e de bem-estar. Propõe uma nova noção de prosperidade, enquadrada dentro dos limites naturais, bem como uma distribuição justa dos recursos, defendendo uma verdadeira ligação entre os sistemas de conhecimento tradicionais e ocidentalizados. A justiça climática urge por uma ciência pública e participativa que responde às necessidades da humanidade e da terra, em particular, para travar a crise climática.
    Assim sendo:
    • Reconhece a interdependência de todas as espécies e afirma a necessidade de reduzir, com o objetivo de eliminar, a produção de gases com efeitos de estufa e respetivos poluentes locais;
    • Reconhece e integra a economia dos cuidados dentro da vida quotidiana, defendendo a responsabilidade compartilhada das pessoas, independentemente da sua identidade de género, para com o cuidado e as atividades de manutenção, não só dentro de casa, mas também na sociedade – a Justiça Climática põe a vida no centro;
    • Apoia as mudanças estruturais na sociedade necessárias para reparar séculos de racismo estrutural – a justiça climática é justiça racial;
    • Compreende a economia como sendo um subsistema do ambiente, defendendo o planeamento democrático baseado nas necessidades reais, substituindo a opressão, a imposição e a apropriação pela cooperação, a compaixão e a ajuda mútua;
    • Defende uma transição justa para quem trabalha atualmente nos setores que precisam de ser desmantelados, reconfigurados ou reduzidos, providenciando a sua subsistência nas diferentes economias e sociedades, introduzindo democracia energética e suficiência energética. Esta transição tem de se basear na equidade e na justiça, corrigindo danos passados e assegurando a subsistência dos/as trabalhadores/as e das comunidades no futuro, com a necessária transição de uma economia extractivista para uma sociedade climaticamente segura, construindo poder político e económico para criar uma economia regenerativa;
    • Significa recuperar o conhecimento das comunidades indígenas, promovendo os efeitos benéficos da atividade humana pragmática sobre os ciclos da vida e os ecossistemas;
    • Defende a introdução de reparações para comunidades e povos na linha da frente do colonialismo, da globalização e da exploração, reconhecendo que existe uma dívida histórica e ecológica que deve ser paga ao Sul Global e que as origens das ditas dívidas devem ser travadas;
    • Opõe-se à soberania do capital, entendendo o capitalismo como incompatível com os princípios dos sistemas da vida;
    • Recusa o capitalismo verde e as “soluções” por ele propostas (sejam elas geoengenharia “baseada na natureza”, trocas de carbono, mercados de carbono, ou outras) e o extrativismo, que é uma forma de produção baseada na extração crescente e ilimitada de materiais e de mais-valia, ignorando todos os impactos causados no ambiente e na sociedade.
  4. A produção de um inventário dos principais setores e emissores de gases com efeito de estufa e futuros projetos em cada território, que serão nacional e internacionalmente anunciados e irão informar a agenda climática territorial sobre onde serão as prioridades para a tomada de ação para encerramento e transformação, constituindo uma “agenda climática” mais ampla de justiça climática.
  5. Definir as suas próprias estratégias locais e nacionais sobre como promulgar a agenda climática, sobre como parar novos projetos e principais setores emissores de gases com efeitos de estufa e infraestruturas, e pedir apoio a outras organizações que pertençam ao Acordo de Glasgow (nacional e internacionalmente). As organizações do Norte Global sublinham o seu compromisso em apoiar as organizações do Sul Global, através da solidariedade com lutas ou organizações existentes e ao adereçar diretamente projetos liderados por governos, corporações ou bancos baseados no Norte Global.

Definições:

Neste contexto, a desobediência civil é definida como a quebra propositada, justificada e não violenta de leis, feita de uma forma pública, direcionada a governos, empresas públicas e privadas e infraestruturas, que pretendemos utilizar enquanto último recurso, visto que as ações anteriores demonstraram que o poder político e económico tem sido inflexível e apático relativamente à crise ambiental global. Interpretamos a desobediência civil como uma tática coletiva utilizada com sinceridade e convicção moral, que luta por justiça entre pessoas livres e iguais, consistindo em ações escolhidas cuidadosamente, recorrendo a meios não violentos. Seremos abertamente responsáveis pelos nossos atos de desobediência civil, e agiremos em solidariedade com quem sofre repressão ou consequências legais pelas suas ações de desobediência civil. Dada a crescente emergência climática e ecológica, cremos que a inação é criminosa e acreditamos ser responsáveis caso falhemos em romper com as leis que estabelecem, protegem ou reproduzem o colapso das nossas condições materiais ambientais globais.

Definimos planeamento democrático como […]


Notas:

As indicações dos cortes necessários territoriais serão baseados em metodologias como a Climate Equity Reference, Climate Fair Shares ou Paris Equity Check que propõem contribuições nacionais equitativas baseadas em emissões históricas e capacidades.

Três meses após o acordo ter sido assinado, todos os membros do Acordo de Glasgow terão produzido o seu primeiro inventário nacional de novos projetos e principais emissores, bem como a agenda climática correspondente, com informação como a ordem de prioridade para encerramento. Em cada território os membros irão produzir esta lista coletivamente. Esta informação será centralizada num website público do Acordo de Glasgow e reportada diretamente a todos os membros. Este website também receberá comunicação de todas as organizações sobre a assistência requerida.


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